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Estudo mostra como superstições e associações de maus presságios podem colocar em risco a vida silvestre 

Pesquisadores que atuam no Mato Grosso do Sul (MS), publicam estudo que visa compreender a associação entre o tamanduá-bandeira, espécie ameaçada de extinção, aos maus presságios.

O desconforto psicológico com peculiaridades da espécie e equívocos sobre sua biologia e comportamento trazem implicações que ameaçam ainda mais os animais silvestres.

“Cuidado com esse espelho! Se você o quebrar, terá sete anos de azar”. “Evite passar embaixo dessa escada, pois isso dá má sorte”. Frases como estas soam familiares, pois as superstições fazem parte da cultura do povo brasileiro e não existe uma certeza sobre a origem delas. Alguns dizem que está na visão mágica, sobrenatural que se tem mundo; para outros, é uma maneira que os antigos encontraram de educar seus filhos e netos.

O fato é que as crendices populares fazem parte do cotidiano das pessoas e até da própria essência intelectual humana e não há momento na história do mundo sem a sua inevitável presença. E foi em cima deste assunto que os pesquisadores Mariana Catapani, Carla Morsello e Arnaud Desbiez realizaram um estudo, publicado nesta segunda-feira (11), na revista cientifica People & Nature, que explorou um aspecto fascinante e muitas vezes negligenciado da conservação da vida selvagem: superstições de mau agouro.

Mariana Catapani, bióloga e especialista em coexistência do ICAS – Instituto de Conservação de Animais Silvestres, explica que o estudo focou em tamanduás-bandeira do Pantanal brasileiro e nas superstições negativas que envolvem a espécie, com o objetivo de compreender o que leva as pessoas a acreditarem que um animal traz azar e quais são as consequências dessas crenças. Segundo ela, os resultados do estudo destacam a importância de considerar superstições no contexto da conservação da vida selvagem.

“Essas superstições vão além de meros contos populares; elas podem ter consequências reais tanto para as pessoas quanto para os animais envolvidos e para a conservação da espécie de forma geral. Mas ao mesmo tempo, não podemos chegar dizendo que aquilo é mentira, que não é racional. Simplesmente dizer às pessoas para abandonarem suas crenças – algumas delas passadas de geração em geração – pode prejudicar um sistema de crenças complexo que conecta as pessoas à natureza”, disse a pesquisadora.

Mariana ressalta que a ideia do estudo foi compreender os fatores psicológicos e sociais que levam as pessoas a acreditarem em tais crenças, assim como suas consequências, e a partir disso pensar em caminhos éticos para melhorar a convivência das pessoas com esses animais.  Para isso, foram entrevistadas 259 pessoas, durante onze meses e o resultado mostra que a crença no mau agouro em relação aos tamanduás-bandeira está enraizada em vários fatores.

Tamanduá-bandeira. Foto: Jason Woolgar

“A influência social é um elemento importante, ou seja, se muitas pessoas ao meu redor acreditam na superstição, ou se alguém importante para mim acredita, a chance de eu acreditar é maior. Mas, apesar dessa transmissão cultural, ideias não são passivamente adquiridas, mas incorporadas dependendo das evidências que as suportam. As entrevistas mostraram que o que as pessoas usam como evidências para suportar essas crenças supersticiosas são características físicas ou comportamentais do animal que são diferentes ou mal compreendidas e que por isso acabam gerando desconforto psicológico,” explica Mariana.

O diferente traz desconforto, as pessoas não gostam do que não entendem por que isso mexe com a percepção delas de controle do ambiente. Fica mais fácil aceitar a ideia de que um bicho estranho e “misterioso”, traz azar, o que não ocorreria se fosse um animal carismático, fofo ou colorido.

A pesquisa mostrou que a idade, gênero e nível de escolaridade dos entrevistados não afetou a presença ou intensidade dessas superstições. E as entrevistas revelaram algo ainda mais intrigante para aqueles que acreditavam na má sorte associada aos tamanduás-bandeira: essas crenças levavam a preocupações genuínas, angústia e ansiedade em determinadas situações.

“Teve gente que disse que o dia terminava ali caso encontrasse o animal, que era melhor voltar para casa para tentar evitar algo ruim. E a maioria acabava adotando comportamentos supersticiosos na tentativa de afastar essa “má sorte anunciada” e retomar o controle da situação”, conta a pesquisadora.

Enquanto algumas dessas ações eram inofensivas, como desviar das pegadas do animal, outras podem prejudicar tanto as pessoas quanto os tamanduás, como bater repetidamente no focinho do animal.

No entanto, há esperança: dissipar mal-entendidos sobre a espécie e desmistificar suas peculiaridades reduz o desconforto psicológico das pessoas, enfraquecendo essas crenças. Isso evitaria a angústia e ansiedade que as pessoas que acreditam no azar dizem sentir nessas situações-gatilho, protege os animais e ajuda na conservação da espécie. Seria uma abordagem para conectar de forma positiva as pessoas a animais tradicionalmente associados ao mau agouro.

Estudos desse tipo abrem caminho para um futuro mais harmônico para os tamanduás-bandeira e as pessoas que com ele compartilham o espaço.

O acesso completo ao estudo, publicado originalmente em inglês, está disponível no site: https://besjournals.onlinelibrary.wiley.com/doi/full/10.1002/pan3.10568

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