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Iniciativa pioneira promove a convivência pacífica entre apicultores e tatu-canastra no Cerrado

Nos últimos meses, dezenas de apicultores se reuniram com biólogos e pesquisadores para desenvolver um guia de convivência com o tatu-canastra em áreas que estão instaladas as colmeias.

O tatu-canastra (Priodontes maximus) é a maior de todas as espécies de tatus existentes no mundo, podendo chegar a um metro e meio de comprimento (do focinho à cauda) e pesar mais de 50 quilos. Um animal raro e ameaçado de extinção, que se alimenta basicamente de cupins, formigas e eventualmente de alguns frutos. Mas, o constante e crescente desmatamento do Cerrado, um de seus principais habitats, está reduzindo sua oferta de comida e criando um desafio inesperado na convivência com os criadores de abelhas. E foi justamente para melhorar a coexistência dos tatus com os apicultores que o Instituto de Conservação de Animais Silvestres (ICAS) e o Instituto de Pesquisas Ecológicas (IPÊ), criaram em 2016, o projeto Canastras e Colmeias.

O biólogo Arnaud Desbiez, pesquisador e coordenador do Programa de Conservação do Tatu-canastra, executado no Pantanal desde 2010, explica que ao realizar o complemento de uma pesquisa com o objetivo de mapear a ocorrência do tatu-canastra no Cerrado de Mato Grosso do Sul (MS), os especialistas exploraram cerca de 500 microbacias com fragmentos de vegetação nativa em busca de encontrar a presença do animal e entrevistaram cerca de 1000 pessoas, dentre elas, os apicultores, que relataram que além da ocorrência da espécie, também havia uma problemática com o ataque do animal às colmeias.

“Foram três anos de estudo até compreendermos que este comportamento era reflexo do desmatamento, pois, em locais onde a vegetação nativa permanece intacta, o animal tem recursos à vontade para se alimentar. Porém, em pontos cercados por estradas, pastagens e lavouras, o alimento ficou escasso e os tatus passaram a atacar as colmeias para sobreviver. Hoje, nós sabemos que o habitat do tatu é extremamente fragmentado. Por isso, muitas vezes ele fica isolado em um desses fragmentos, sem muitas opções de alimentos e acaba sendo forçado a procurar alternativas para se alimentar, como, por exemplo, as larvas de abelhas nas colmeias”, explica Desbiez.

O tatu-canastra atinge sua maturidade sexual entre 7 e 9 anos de idade e só nasce um filhote por gestação, a cada três anos, ou seja, uma reprodução da espécie lenta que torna a renovação mais difícil

O tatu-canastra tem hábitos noturnos e possui uma das maiores e mais afiadas unhas da natureza (a unha do terceiro dedo mede cerca de 14 centímetros), que ele usa para cavar tocas que podem chegar até 4 metros de profundidade. Essas tocas acabam servindo como abrigo para outras 70 espécies após a sua partida para outro local. As armadilhas fotográficas instaladas pelos pesquisadores do ICAS registraram como o tatu-canastra aprendeu a derrubar caixas de colmeias durante a noite. Nas imagens é possível ver que ele fica em pé, se pendura, puxa e empurra as caixas até conseguir acesso às larvas, derrubando o mel e soltando as abelhas.

E foi justamente por conta desse comportamento de sobrevivência que o animal ficou com uma imagem negativa entre os apicultores da região. Muitos deles tinham o interesse em resolver o problema de uma forma que não fosse letal ao animal, pois muitos compreendem que a conservação da natureza é muito importante para a criação de abelhas. Porém alguns relataram não ver mais alternativas para minimizar os prejuízos que eram causados por este novo hábito da espécie. 

O apicultor Adriano Adames, que há 30 anos produz e comercializa mel na capital do Mato Grosso do Sul, Campo Grande, explica que uma única colmeia pode custar em média R$ 700, fora os gastos de manutenção, e que já sofreu no bolso com um dos ataques do tatu-canastra em seu apiário, que na época contava com 70 colmeias, resultando em uma perda econômica significativa. 

“O dono da fazenda onde eu mantinha o apiário sugeriu uma solução drástica e me perguntou por que eu não matava aquele tatu. Mas apesar de estar triste pelas colmeias, eu sabia que não era o certo a se fazer e que eu jamais faria aquilo. Já ouvi que alguns apicultores mataram o animal, mas eu sou contra, porque ele não é o culpado”, disse o produtor que foi o primeiro dos atuais 33 apicultores do MS a receber o selo “Produtor amigo do tatu-canastra“, que assegura o compromisso dos criadores com a biodiversidade e a proteção desses animais.

Essa certificação com reconhecimento pela Wildlife Friendly Network Entreprises, organização internacional de conservação da natureza, faz parte da estratégia do projeto de incentivar uma produção e um consumo sustentável que protege o bioma e a fauna silvestre. Como parte dessa estratégia foi também lançado oGuia de Convivência entre apicultores e tatus-canastra no Cerrado do Mato Grosso do Sul”, um material que reúne técnicas testadas e propostas pelos próprios apicultores para evitar que as colmeias sejam atacadas pelo tatu-canastra.

O biólogo e técnico do projeto, Marcos José Wolf, explica que se as colmeias ficarem a menos de 1,3 metro do chão, o tatu consegue alcançá-las ficando de pé. Então uma das principais orientações do manual é a de aumentar a altura das colmeias em relação ao solo e colocar em sua estrutura cavaletes de metal ou de madeira mais resistentes à força do canastra. Essas e outras valiosas dicas contidas no manual dificultam e até mesmo erradicam por completo os ataques do animal às colmeias, evitando prejuízos e promovendo a coexistência harmônica com essa espécie.

“Em alguns casos, o guia orienta a instalação de um alambrado ou cerca elétrica no entorno da colmeia que dá um pequeno pulso elétrico que afasta o tatu, mas não o machuca. Tudo depende do tipo e das condições de cada propriedade. Por isso, antes de receber a certificação – que pode gerar benefícios financeiros na hora de vender o mel, nós realizamos uma visita, fazemos um acompanhamento e indicamos as técnicas e recomendações que possam proporcionar mais êxito naquele local, além de assinar um contrato entre o projeto e o apicultor”, ressaltou Marcos.

A proposta dessa iniciativa de certificação é que o mel com o selo seja mais bem remunerado no mercado, e com vendas pela internet. Para isso, é necessário que o produtor se conscientize da importância e das vantagens de se conservar a natureza, pois as colmeias também necessitam de um ambiente saudável. Por isso, se você possui produção de mel e derivados em uma área de ocorrência de tatu-canastra e quer fazer parte dessa iniciativa de conservação e receber o selo “Produtor amigo do tatu-canastra“, entre em contato conosco através do e-mail contato@icasconservation.org.br.

O projeto Canastras e Colmeias conta com o apoio financeiro da Fundação Grupo Boticário, Whitley Fund for Nature, Houston Zoo, Wilhelma Zoo, Zoological Society for the Conservation of Species and Populations e Disney Conservation Fund e com o apoio institucional da Federação de Apicultura e Meliponicultura de Mato Grosso do Sul, Associação Treslagoense de Apicultores, Cooperams – Cooperativa Apícola, Apiário Serra da Bodoquena, Secretaria de Estado de Meio Ambiente, Desenvolvimento Econômico, Produção e Agricultura Familiar (SEMAGRO), Agraer – Agência de Desenvolvimento Agrário e Extensão Rural, AGRO – Agência Estadual de Defesa Sanitária Animal e Vegetal do Mato Grosso do Sul e Instituto de Meio Ambiente de Mato Grosso do Sul.

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